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Epimed update – Revisando os escores prognósticos: O uso de escores prognósticos para doenças específicas na UTI

No que se refere à utilização de escores prognósticos em UTI, há um ponto importante a se considerar: escores que têm bom desempenho em bases de dados grandes e heterogêneas podem não se comportar da mesma forma em grupos com diagnósticos específicos ou em populações com menor número de pacientes.

Tomaremos como exemplo algumas populações de pacientes que são internadas em UTIs com frequência. Porém, notem que o efeito heterogêneo que será descrito abaixo também é observado em diversos outros subgrupos de pacientes gravemente enfermos, como sepse, neurocríticos e cardiovasculares, para os quais escores especificamente desenvolvidos parecem ter um melhor desempenho.

Pacientes transplantados: foram realizados estudos de validação de SAPS 3 e APACHE II para pacientes gravemente enfermos transplantados, um grupo claramente sub-representado nas populações em que esses escores foram gerados. A acurácia preditiva dos dois escores foi baixa, superestimando a probabilidade de óbito. O mesmo se viu em estudo com pacientes críticos transplantados (hepáticos), que também encontrou discriminação baixa e calibração imperfeita para SAPS 3 e APACHE IV.

Pacientes oncológicos: a performance do SAPS II e SAPS 3 em pacientes oncológicos foi investigada pelo nosso grupo em 2006 e 2010 (Soares et al). Como resultado, SAPS II, SAPS 3-EG e SAPS 3-ACS apresentaram boa discriminação. Em estudo multicêntrico de validação de quatro escores prognósticos em pacientes oncológicos internados em 28 UTIs brasileiras, especializadas e não especializadas, também foi encontrada boa discriminação tanto para o escore prognóstico SAPS II, quanto para o SAPS 3.

Pacientes idosos: um estudo brasileiro de validação dos escores SAPS 3, APACHE II, SAPS II e “Unicamp II” (modelo local semelhante ao APACHE II) foi realizado em pacientes idosos internados em terapia intensiva. A discriminação foi boa para todos os escores. SAPS 3-EG demonstrou uma taxa de mortalidade padronizada (TMP) próxima de um, enquanto APACHE II e SAPS II subestimaram a probabilidade de óbito e SAPS 3-ACS a superestimou.

No entanto, nas curvas de calibração, a letalidade foi superestimada pelo SAPS 3-EG nos grupos de menor gravidade e subestimada nos grupos mais graves. Já a equação SAPS 3-ACS gerou uma curva de calibração mais próxima da linha ideal, mas, ainda assim, com desempenho heterogêneo entre os estratos de gravidade.

Por fim, na recente pandemia de Covid-19, observamos que os escores prognósticos atuais não desempenharam da mesma forma que em uma população geral de pacientes de UTI, o que motivou tentativas infrutíferas de recalibração dos escores. Para essa situação, além do desenvolvimento em andamento de novos escores, recomenda-se a manutenção da utilização do SAPS 3, levando-se menos em conta o valor global da TMP gerada e mais o seu comportamento comparativo com os pares (benchmarking) e com a própria UTI de modo evolutivo.

Dessa forma, concluímos que os escores prognósticos utilizados em UTI ainda são, claramente, uma excelente ferramenta para a avaliação de desempenho de UTIs gerais e que o uso em UTIs especializadas ou para análise de subgrupos específicos pode e deve ser realizado. Contudo, nesses últimos casos, uma análise criteriosa e em conjunto com outros indicadores, como “case-mix”, uso de recursos e benchmarking, podem ajudar na contextualização e interpretação dos resultados gerados (tais como TMP e SRU).

Para artigos de referência sobre o tema, veja:

ICU severity of illness scores: APACHE, SAPS and MPM
Validation of four prognostic scores in patients with cancer admitted to Brazilian intensive care units: results from a prospective multicenter study
Evaluation of Simplified Acute Physiology Score 3 performance: a systematic review of external validation studies
SAPS-3 performance for hospital mortality prediction in 30,571 patients with COVID-19 admitted to ICUs in Brazil

 

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Autor: Dr. Jorge Salluh, cofundador e diretor científico da Epimed Solutions, eleito pela Universidade de Stanford como um dos autores mais influentes do ano.